Almandrade on Fri, 13 Jun 2003 18:24:55 +0200 (CEST)


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Entrevista à Luiza Viana: jornal Pnorama - junho/2003
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Luiza - Como definiria sua obra - pinturas, objetos, esculturas (no sentido
também da evolução de seu trabalho). Poderia fazer uma ponte com o (seu)
característico de linguagem poética?
Almandrade - O rigor e a limpeza gráfica sempre foram para mim uma obsessão.
Trabalho com poucos elementos, o mínimo de gestos, poucas palavras (poesia).
Comecei no início da década de 70 entre a arte conceitual e a arte
construtiva, não sei se devo falar em evolução, talvez transformação. Tenho
utilizado vários suportes: pintura, escultura, desenho, instalação e a
palavra no caso da poesia, sem misturar uma coisa com a outra, seguido um
método de trabalho. Nos anos 70 falava de "arte contemporânea", hoje um
termo sucateado. O que sempre me preocupou foi a arte como lugar de reflexão
específica.

Luiza - O que impele a uma obra plástica ou à poesia?
Almandrade - Um desvio sem uma explicação "lógica", fiz arquitetura,
trabalhei com planejamento urbano, fiz mestrado em desenho urbano, mas
sempre fui seduzido pela pelas artes plásticas e pela poesia. Não consegui
me livrar dos seus efeitos.

Luiza - Gostaríamos que falasse sobre seu encontro com Hélio Oiticica ( é
sempre bom reavivar a memória num país que não valoriza seu passado
cultural, mesmo o mais recente). Pode fazer um paralelo entre sua obra e a
do Hélio?
Almandrade - Estive com Hélio algumas vezes depois que ele voltou a morar no
Rio de Janeiro, mas encontros rápidos. Em Recife, julho de 1979, ficamos
quase uma semana no Festival de Inverno, eu fazendo uma exposição e ele
convidado para fazer um trabalho com "parangolé", foi quando ele se
interessou pelos meus objetos da exposição e ficamos mais amigos. È difícil
fazer um paralelo, eu ainda estou construindo um trabalho e a obra do Hélio
já é parte da história, seria muita pretensão de minha parte. Nas nossas
conversas, sobre o trabalho dele e o que eu estava fazendo, chegamos a falar
no uso do corpo nos trabalhos dele (labirintos, parangolé...) e no caso das
minhas instalações o uso do olho...

Luiza - Décio Pignatari, a respeito de seu trabalho fala em "objetos
franciscanamente... desenhados" e "grafia de cartilha, porém
engenhosamente... simplista, posto que metafísica"; você aponta para a
necessidade um "espectador asceta" que se queira perder no jogo inútil da
obra. Não soa estranho o uso de palavras de cunho religioso na análise da
arte contemporânea?
Almandrade - O espectador de arte não é um espectador ingênuo. É preciso um
olhar habilitado.
O Décio inteligentemente se utiliza do conceito "Franciscanamente" para
falar das condições materiais do trabalho, dos objetos, não são materiais
nobre, são materiais "pobres" : pedaços de madeira, papelão... construídos
com uma aparente fácil engenharia, sem muitos recursos, mas sem sacrificar a
precisão conceitual. Poderia ser também interpretado "religiosamente
desenhados".
Luiza - Pode falar mais extensamente sobre sua poesia? (poesia concreta,
poema visual; o arquiteto, o professor de teoria da arte, o artista plástico
participam de alguma forma no seu fazer poético: os temas, o olhar, o uso de
vocábulos determinados, etc.
Almandrade - Comecei participando de grupo de poesia quando era estudante de
colégio, mas a pintura sempre me convidava. Através da poesia concreta e do
poema processo descobrir a arte construtiva e depois a arte conceitual e
acabei desenvolvendo um trabalho à margem do circuito cultural baiano. Sou
arquiteto de formação, gosto de trabalhar com a cidade, a arquitetura.
Trabalhar como professor foi uma conseqüência de minhas preocupações com o
discurso sobre a arte... Quando comecei em Salvador na década de 70, eu
tinha que ser o artista e o crítico, para enfrentar a rejeição da província.
Todo trabalho cultural é resultado de outros trabalhos. A minha poesia e
minha arte são resultados da minha formação, das minhas contradições e de
tudo que vi e vejo, de tudo que li e leio.
Luiza - No seu livro "Obscuridades do Riso" a emoção do escritor vem mais a
tona?
Almandrade - Este livrinho precariamente editado (sem revisão, cheio de
erros) em 82. São pequenos fragmentos escritos entre 1977 e 80. Não sei se
vem a tona a emoção, são textos livres, sem um tema. Nesta época eu estava
lendo: Bataille, Lautréamont, Michaux, Nietzsche...
Luiza - Oscar Wildi coloca que "a vida artistica é o desenvolvimento de si
próprio". O que acha sobre isso?
Almandrade - O trabalho de arte é um processo, é resultado de uma vida de
trabalho, como diz Bachelard: "O verdadeiro destino de um grande artista é
um destino do trabalho". E assim a vida e a obra se desenvolvem com a
experiência do tempo.
Luiza - Pensando no seu artigo "O País da Política" publicado no jornal
Panorama - podemos ter esperanças que esta república em que vivemos possa
nos pertencer num futuro próximo? A "democracia" em que estamos mergulhados
poderá dar certo algum dia?
Almandrade - Não sei, diante da mídia formando opinião. Um dia eu li o
seguinte comentário provocativo: "Se a democracia deu certo algum dia, foi
na Grécia Antiga". Mas isto é assunto para especialista em política. - E a
poesia, será que vai sobreviver?



entrevista publicada no jornal PANORAMA - Rio de Janeiro, junho 2003

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